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Aqui contamos histórias sobre nossas peripécias dando a volta ao mundo em nosso veleiro. Nós somos: Fabio, Miriam, Caio, Rafael e Cacau e não sabemos onde vamos parar, só sabemos que vamos "Para onde o vento vai".


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ventos Mediterrâneos, vida nova, mares antigos

Navegar no Mediterrâneo é um misto de desafio e prazer. A noção muito difundida de que aqui ou não tem vento ou tem vento demais é uma verdade com a qual você deve aprender a lidar.

A mudança de barco do FLYER para o LADY BLUE foi rapidamente absorvida, o mais difícil é sair do Atlântico e entrar num dos mares mais navegados da história.

Tem luz para todo o lado. Algumas zonas são tão navegadas que ao largo parece que você está numa via férrea. E quase todos estes monstros são perigosos !!! Cada um deles se mostra como se fosse seu Kraken pessoal, fazendo barulho e perseguindo-o seja qual for o rumo adotado. Isso faz com que as doces e maravilhosas noites de travessia do Atlântico fossem transformadas em noites de vigília e muita atenção.

Da mesma forma que o rádio VHF parece falar um idioma que é uma mistura de russo com inglês falando por um Tailandês nascido no Egito !!! Minha nossa !!! Demorou uma eternidade para eu entender o que o sujeito estava falando: XANG TU CHANEL TUENTI TU, TU TU !!!

E as famosas ondas mediterrâneas são exatamente da forma que se descreve na literatura. Uma vem junto com a outra, mas de diferentes direções e intensidades, sempre íngremes. Quem não gosta de ouvir a proa bater duro levantando água para todo o lado, deve navegar em outro lugar...

O vento parece ter um lema próprio: vou te ajudar agora, mas depois vou cobrar o preço desta ajuda. Que saudades dos Alísios, que saudade dos Trade Winds... Na travessia para o Brasil nos ajustamos as velas abaixo de Cabo Verde e só olhamos para elas outra vez perto de Salvador. Aqui você ajusta as velas a cada mudança de humor do vento, e o vento aqui tem o humor de uma velha senhora rancorosa.

Com o tempo, com tempo mesmo, vou me ajustando a navegação por aqui. A grande vantagem é que tem PORTO para tudo que é lado. Acho que deve ser um dos lugares mais recheados de porto que existem na face da terra. Se a coisa pega, é só arribar para um deles e preparar suas economias para gastar os tufos para ficar por aqui...

Em Ibiza uma marina tinha um preço que passava de 200 Euros por dia. Em Mayorca eu tive que ir para uma Marina para pegar água, combustível  suprimentos e um pouco de ar condicionado, nada exagerado, só uma noite, e gastei a bagatela de 130 Euros, mas afinal eu não estou reclamando, só estou descrevendo alguns fatos da vida. Mediterrâneo é mar para gente rica, ou para quem gosta de ficar ancorado, que virou meu caso (com certeza).

O clima aqui é maravilhoso e muito bem definido. De Setembro para frente é sempre bom olhar para meteorologia todos os dias, mesmo ancorado, porque é comum as borrascas de outono te pegarem desprevenido onde você estiver. Mas esta tarefa é mais uma daquelas inglórias nas quais você olha para as previsões e deve estar sempre preparado, porque o índice de acerto por aqui é baixo. Nesta época já se deve procurar um lugar para invernar o veleiro.

Nós pegamos uma dica do Manoel e viemos parar na Sicilia. Marina de Ragusa. Obrigado Manoel pela dica. Aqui achamos uma Marina muito bem equipada, bem protegida e perto de uma cidadezinha agradável, mas o mais incrível é que para deixar o LADY BLUE aqui no inverno você paga algo como 1100 Euros para 7 meses de estadia. Se quiser deixar no seco sai por 1900 Euros.

O LADY BLUE vai ficar por aqui.

Nossa viagem até chegar aqui foi uma viagem de descoberta. Saímos de Gibraltar depois de um churrasco de despedida de nossos amigos de lá, com proa para Ibiza onde encontraríamos outros amigos Ronny e Enoque do veleiro Luar. Foi uma travessia para dar um abraço e bater um papo (e para aprender com os dois) que estão sempre prontos para ajudar.

O vento Ponente que entrava pelo canal parecia bem generoso e constante. E foi realmente necessário. O mediterrâneo não é um mar de marés e correntes, a variação nunca é muito maior que 20 cm, mas quando tem vento ou uma depressão ao largo, isso muda. Corrente e maré acompanham o vento, com exceção do estreito de Gibraltar por causa da influência do Atlântico. Se sair a esmo, vai voltar para o porto. Não vence mesmo a força dos elementos no Canal. Mas como as variações são de 6 em 6 horas, você tem uma janela de tempo apertada para se afastar o máximo que puder da influência do Atlântico. Uma vez que você pega o ponente, você entra no Mediterrâneo em grande estilo: Velejando !!! de 20 a 25 kts de vento de alheta. Nossa primeira travessia para Ibiza começa bem, mas o vento não dura muito e começa a rotina de motorar, colocar vela, retirar vela, motorar outra vez, colocar gennaker, tirar gennaker, motorar, etc,etc, etc

Chegamos. Os dias em Ibiza foram passando. Ficar vestido na praia parece algo fora de moda. Nós resistimos. Visitamos nossos amigos e ficamos de olho na Meteorologia para a próxima travessia. Nosso objetivo era sair dali para Itália. Temos que chegar logo na Itália para fazer os papeis... Recebemos uma dica do Ronny sobre uma loja náutica boa em Mayorca, e como loja náutica é shopping de homem, eu marquei o rumo e fomos para lá. Um dia de marina, comprar algumas coisinhas na loja e pronto.

Aviso de Tempestade no Atlântico fazendo estrago (Nadine). Sempre que colocam nome de mulher num evento meteorológico a coisa vai ficar feia. Hora de sair dali e atravessar o Mediterrâneo antes as coisas ficassem feias de verdade.

A travessia para Sicília foi decidida porque havia previsão de várias tormentas no VHF dadas pelos serviços meteorológicos da Espanha. Sardenha fica para volta. Vamos para Sicília mesmo. A terra da Máfia. A terra com cara de Itália. Nossa Itália. A Itália para visitar de barco. Minhas origens estão nestas terras. Entrar no Canal da Sicília é uma loteria. O vento mais chato é o Siroco. E ele estava lá nos esperando. Assim que aproamos ele disse, aqui não Juvenal. 25 nós na cara o tempo todo, na verdade as vezes 30, as vezes 20. Não interessa o bordo que você escolhe, ele sempre vem na cara.

Motor, vela, remo e até abanador na popa para fazer o Lady Blue andar a 3.5 kt de VMG. E o Siroco tinha previsão de ficar assim por mais de uma semana. Então nada a fazer. Subir devagar, arrastado mesmo, mas com o destino fixado, o marinheiro vai e pronto.

Chegamos. Primeira impressões, primeiros cheiros, primeiros gostos, as frases faladas como se fossem cantadas. Como é gostoso ouvir o Italiano sendo falado, entretando quando buscavamos águas menos profundas nos aproximamos da costa só para notar que havia um barulho diferente no ar. Parecia barulho de fogos de artificio, mas não, o som era muito parecido com o som emitido pelo videogame do Rafael. O que ouvimos foi um tiroteio de metralhadora. Tiroteio pesado mesmo. Algo impressionante... Vamos para águas mais profundas outra vez. Para tranquilizar as crianças eu falei que aquilo era um treinamento do exército Italiano, querendo, do fundo do meu coração acreditar nisso !!!

O episódio foi esquecido assim que chegamos na Marina de Ragusa. Aqui vai outra dica interessante, Olhando nas cartas náuticas você encontra Marina para todo o lado na Itália. Santa ignorância. Marina é o nome que se dá a parte da vila que fica a beira mar. Em muitos lugares você só vai encontrar um porto de pescadores simples, em outras marinas, nem isso, mas a Marina de Ragusa parece que foi construída faz pouco. Tudo novo, os cunhos ainda nem estão oxidados. A recepção nos deu a opção de invernar aqui e cuidou de toda a papelada.

Neste momento a Miriam prepara um macarrão ao Pesto com uma pitada de Anchovas, estou com umas cervejas no congelador e uma baita vontade de ficar olhando o tempo passar devagar.